A festa que celebramos neste domingo, ainda imbuída do espírito de
Natal, é a encenação da apresentação de Jesus ao Senhor Deus, conforme
prescrevia a lei judaica para os primogênitos masculinos (Ex 13,11-16).
Na lei de Moisés o primogênito masculino "pertence a Javé, mas pode ser
resgatado mediante um sacrifício. A apresentação da criança ao santuário era
facultativa; quem o faz, dá prova de ser judeu "piedoso". A
apresentação, no caso de Jesus, se realizou no quadragésimo dia, coincidindo
com o sacrifício da purificação da mãe, igualmente uma instituição antiga (Lv
12,1-8).
O sacrifício era um cordeiro de um ano, e um rola ou pombinho em sacrifício
pelo pecado (conceito mítico da impureza sexual). No caso de pessoas pobres
podia ser substituído por um para de rolas ou pombinhos. É o que Maria
ofereceu. Maria e José chegaram ao Templo dispostos a cumprir fielmente o que
estava estabelecido na Lei. Apresentaram como resgate simbólico a oferenda dos
pores: duas pombas.
E a liturgia desta festa quer manifestar, com efeito, que a vida do cristão é
como uma oferenda ao Senhor, trazida na procissão das velas acesas que se
consomem pouco a pouco, enquanto iluminam. Cristo é profetizado como a Luz que
tira da escuridão o mundo sumido em trevas. A luz, na linguagem corrente, é
símbolo da vida ("dar à luz, "ver a luz pela primeira vez"
expressões ligadas ao nascimento). As trevas, pelo contrário, indicam solidão,
desorientação, erro... Cristo é a Vida do mundo e dos homens, Luz que ilumina.
A liturgia evoca fortemente a ideia da purificação, não tanto a partir da
purificação de Maria - uma lei do Antigo Testamento, que já perdeu sua
atualidade - mas antes, a partir do texto de Ml 3,1-4, que descreve o efeito
purificador da visita de Javé a seu templo. A “Orln” aplica esta ideia aos
fiéis. A segunda leitura lembra a nossa purificação pelo sacrifício de
Cristo.
Nossa Senhora preparou o seu coração, como só ela o podia fazer, para
apresentar o seu Filho a Deus e oferecer-se ela mesma com ele. Ao fazê-lo,
renova o seu “faça-se” e punha uma vez mais a sua vida nas mãos de Deus. Jesus
foi apresentado ao seu Pai pelas mãos de Maria.
No evangelho de hoje vemos também que o velho Simeão, depois de se referir ao
Menino, se dirigiu inesperadamente a Maria, vinculando de certo modo a profecia
relativa ao Filho com outra que se relacionava com a mãe: Uma espada
atravessará a tua alma. Com estas palavras do ancião, o nosso olhar desloca-se
do Filho para Mãe: “Uma espada atravessará a tua alma”. É admirável o mistério
deste vínculo pelo qual ela se uniu a Cristo. Com estas palavras dirigidas à
Virgem anunciava que ela estaria intimamente unida à obra redentora do seu
Filho.
A festa de hoje convida-nos a entregar ao Senhor, uma vez mais, a nossa vida,
pensamentos, obras, todo o nosso ser.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
"Havia em Jerusalém um homem
chamado Simeão; homem este justo e piedoso que esperava a consolação de Israel;
e o Espírito Santo estava sobre ele.
Revelara-lhe o Espírito Santo que não passaria pela morte antes de ver o Cristo
do Senhor. Movido pelo Espírito, foi ao
templo; e, quando os pais trouxeram o menino Jesus para fazerem com ele o que a
lei ordenava,
Simeão o tomou nos braços e louvou a Deus, dizendo:
Agora, Senhor, podes despedir em paz o teu servo, segundo a tua palavra;
porque os meus olhos já viram a Tua Salvação,
a qual preparaste diante de todos os povos:
luz para revelação aos gentios, e para glória do teu povo, Israel." (Lucas
2:25-32)