Dom Orani (entrevista)

 Dom Orani
Em entrevista exclusiva para o jornal 
“Testemunho de Fé”, o cardeal eleito fala sobre sua infância, a passagem pelo mosteiro, o carisma cisterciense, a visita do Papa Francisco ao Brasil e como dará continuidade a sua missão depois do cardinalato.
Testemunho de Fé (TF) – O que significa para o senhor ser um dos primeiros cardeais nomeados pelo Papa Francisco?
Dom Orani João Tempesta – Creio que é um compromisso de estar com ele nesse momento de muitos ideais, como: a reforma interna da Igreja, uma maior presença e proximidade junto ao povo, especialmente os mais pobres, e uma evangelização mais constante, num diálogo maior com a sociedade. Claro que como bispos já temos essa obrigação e missão. Porém, agora como cardeal, a responsabilidade é ainda maior. Supõe que possamos traduzir através do nosso trabalho, da proximidade com o Santo Padre, nos conselhos que faremos parte, o desejo e o que o Papa, que age iluminado pelo Espírito Santo, vê como importante para a Igreja nos dias de hoje.
TF – De coroinha a cardeal. Como foi a descoberta de sua vocação?
Dom Orani – Minha vocação nasceu na adolescência. Embora tivesse presente na época de coroinha e de criança, mas não muito clara, ela começou a esclarecer quando tive que decidir sobre a vida. Na época do ensino médio, após o antigo ginásio, apareceram as perguntas, e foi aí que o Senhor me iluminou para decidir pela vida religiosa, na Ordem Cisterciense, que eu conhecia. Foi uma sintonia muito grande daquilo que experimentei na vida cisterciense, com o meu desejo de seguir uma vida de oração, de trabalho, de ação pastoral. A época em que morei no mosteiro me fez muito feliz.
TF – Sua formação é monástica. Hoje o senhor é um cardeal da Igreja. Como sua espiritualidade o preparou para essa missão?
Dom Orani – Um dos fundamentos marcantes é o que São Bernardo coloca para os monges cistercienses: o “sentir com a Igreja”. Além da oração e do trabalho, que pode ser escolar, pastoral, no campo e muito variado, é preciso sentir com a Igreja. Creio que esse aspecto foi muito marcante em nosso mosteiro. O sentir com a Igreja local e diocesana, de estar junto com as preocupações da Igreja universal, do Santo Padre. Esse “sentir com a Igreja” marcou muito meu modo de ser. Então, a oração e o trabalho, que faz parte da vida monástica beneditina, segundo a Regra de São Bento, foram acrescentados com São Bernardo, com seu exemplo de preocupar-se com a Igreja. Na época do mosteiro, tínhamos um prior (superior de uma ordem religiosa) que falava muito desse amor à Igreja, o que marcou também minha presença. Assim, pude servir à diocese no Conselho de Presbíteros, no Colégio de Consultores, na Coordenação de Pastoral, sem deixar a vida monástica. Isso me levou a servir a Igreja diocesana, o Regional Sul 1 da CNBB e por onde estive até hoje.
TF – Sua ordenação presbiteral, em São José do Rio Pardo, foi realizada no dia 7 de dezembro de 1974. Nessa época passava em seu coração, como todo sacerdote, o desejo de servir ao seu povo. E agora como cardeal, o que passa em seu coração?
Dom Orani – Nunca pensei em deixar o mosteiro, nem minha cidade, onde eu fui ordenado e estava atuando. Lá servi primeiro como vice prior, depois como vigário paroquial, mais tarde como superior da casa, abade e como pároco. Sempre imaginei que terminaria minha vida por ali, e muito feliz de poder viver a vida de padre e religioso, que eu achava um belo equilíbrio. Quando a Igreja me chamou para ser bispo de Rio Preto, eu também achei que fosse terminar ali, em Rio Preto. Depois, fui pra Belém, no Pará. Foi uma bela experiência cultural. E também achei que fosse terminar por lá. Agora, no Rio de Janeiro, sou criado cardeal. Creio que aquilo tudo que vamos recebendo na gratuidade e sem esperar é sempre um dom, uma graça. Assim como Deus me conduziu por seus caminhos até hoje, vai continuar me conduzindo, porque não deve depender de mim e de minha capacidade, mas sim dessa graça de Deus.
TF – A seu ver, quais os maiores desafios da Igreja no mundo de hoje?
Dom Orani – Creio que o Papa tem colocado isso com muita clareza. Ele mostrou que a Igreja deve ser mais proativa e não tanto reativa, de adiantar as questões e ser um sinal para a sociedade. Como ele fez em muitas situações: em relação à Síria, à Lampedusa, à fome no mundo. Assumir uma postura de conduzir, de chamar a atenção da humanidade. Depois, é claro, a questão da Igreja enquanto instituição, que abrange a reorganização que o Papa está fazendo. A Igreja tem muita coisa positiva e bonita, mas existem coisas a serem melhoradas. Nas comunicações, por exemplo: o Vaticano tem muitos tipos de veículos e de agências, mas não tem uma articulação. Articular a comunicação é uma oportunidade para a Igreja ser ainda mais uma presença organizada na sociedade, de dizer aquilo que pensa, e que é a verdade, para que ela possa ser transmitida. Outra questão está ligada à formação do leigo e do padre. Isso já foi detectado desde outros pontífices. E o Papa Francisco também está salientando esse aspecto, chamando a atenção para o aprofundamento da própria fé e do conhecimento geral.
TF – O senhor tem sido definido como um homem conciliador. E o seu lema episcopal é “Para que todos sejam um”. O senhor se considera um conciliador?
Dom Orani – Eu sempre tive essa convicção: de querer ser conciliador. E esse lema está comigo desde minha ordenação sacerdotal. Somente na época em que fui abade eu mudei o meu lema para “É melhor servir”. Depois, quando fui sagrado bispo, retornei com ele. Estou convicto que na Igreja temos muitos dons e muitos carismas, e que é necessário que se articule todos como valor muito importante. Porém, creio que também na sociedade, no mundo de hoje, se pode trabalhar em conjunto muitas questões que existem, otimizando meios e maneiras de viver a fraternidade e a solidariedade. E isso é um desafio. Muitas coisas se perdem na Igreja e na sociedade devido a brigas e divisões, enquanto poderíamos trabalhar unidos.
TF – Seu episcopado foi marcado por uma ação pastoral direta, em diálogo constante com o povo e a sociedade. Logo após eleito, o Papa disse que os pastores devem ter o cheiro das ovelhas. Viu nessas palavras uma confirmação do seu ministério episcopal?
Dom Orani – Eu creio que o Papa, sendo da América Latina e vivendo um pouco da realidade dessa região do mundo, expressou aquilo que de certa forma é o jeito de ser da Igreja latino-americana. Claro que há diversas nuances, lugares em que se vive mais de um jeito que de outro. Mas desde o começo da minha formação filosófica e teológica e mesmo antes como religioso, sempre vi desse forma: o pastor e o padre junto a seu povo. E vemos que isso acontece muito em diversos lugares, como aqui no Rio de Janeiro. Temos muitos padres que vivem seu sacerdócio trabalhando pelo povo. Sem dúvida, o Papa Francisco confirma um jeito latino-americano de ser e de se preocupar de estar junto com o povo.
TF – Durante a JMJ, Deus permitiu que o senhor tivesse um contato mais próximo com o Papa Francisco. Quais são os ensinamentos deixados pelo Pontífice que o senhor pretende colocar em prática agora como cardeal do Rio?
Dom Orani – Uma questão bem particular do Papa é a piedade e a vida de oração. Todas as vezes que o Santo Padre passava pela imagem de São Joaquim, na residência episcopal, colocava as mãos e fazia uma oração. Da mesma maneira, quando passávamos pela imagem do Cristo Redentor, mesmo sem poder colocar a mão, Papa Francisco parava, olhava, fazia o sinal da cruz e rezava. Ele é uma pessoa com uma piedade popular em seu coração. Outro ponto é a simplicidade. Aquilo que ele é para o povo, é durante as refeições e encontros. Sempre simples, sem grandes sofisticações.
TF – O Papa Francisco enviou uma carta pessoal a cada um dos que foram nomeados cardeais. Em certa parte da carta ele afirma que “cardinalato não significa uma promoção; é simplesmente um serviço que exige que se amplie o olhar e se alargue o coração”. Como o senhor planeja atender esse pedido do Papa Francisco?
Dom Orani – O Papa é livre para nomear os cardeais, e não é obrigado a nomear cardeais de sede cardinalícia, nem tão pouco alguém que tenha feito um grande evento. O Pontífice escolhe quem ele acredita que o Espírito o inspira para a Igreja. Estou muito agradecido pela confiança, e sem dúvida ele coloca bem claro na carta que enviou aos novos cardeais que não é uma honraria, mas sim um serviço. Na noite de domingo, quando terminei a peregrinação, estava lembrando do último ato da Trezena diante do Cristo Redentor. De lá, nós temos dois tipos de olhar: um é o olhar nosso a Jesus; você não olha só o Cristo, mas a cidade inteira. E o segundo, é o olhar como o Cristo do alto do monte para toda a cidade, para as pessoas. Daí eu pedi para o Senhor que eu nunca deixasse de olhar para Cristo na minha vida, e que Ele me ajudasse a olhar o mundo com seus olhos. O fato de ser cardeal não vai mudar o jeito de ser da pessoa. Mas é preciso saber que é um trabalho a mais, um cargo de servir a Igreja.
TF – Seu primeiro almoço como cardeal foi na companhia de pessoas que o acompanhavam. Tendo o alimento sido preparado numa paróquia e servido em descartáveis. Isso mostra uma característica muito semelhante entre o senhor e o Santo Padre: a simplicidade. Como viver essa simplicidade mesmo sendo abordado a todo instante pela imprensa e tendo sua imagem ligada a publicações em todo o mundo?
Dom Orani – Não tenho planos para mudanças. Daquilo que tenho como atividades no cotidiano, não existe nada que eu queria mudar. Quero continuar vivendo e acolhendo as pessoas, fazendo visitas e vivendo justamente a simplicidade no dia a dia. Mais que ter uma coisa a ser feita, o importante é viver essa atitude. É ser mais do que fazer.
TF – O que o senhor gostaria de dizer aos fiéis do Rio de Janeiro e também do Brasil?
Dom Orani – A nomeação de um cardeal para o Rio de Janeiro é a nomeação de todo o povo carioca ao cardinalato. Na minha pessoa, estão todos sendo nomeados. Agora, já que tinham tanto o desejo de um cardeal para a Arquidiocese do Rio, o povo tem a obrigação de rezar pelo cardeal eleito (risos).
Colaboração: Fabíola Goulart e Nathália Cardoso