QUINTA-FEIRA SANTA



Na tarde de Quinta-Feira Santa, com a memória da Última Ceia, durante a qual Jesus instituiu o Memorial da sua Páscoa e cumpre o rito pascal judaico. Segundo a tradição, cada família judaica, reunida à mesa na festa de Páscoa, come o cordeiro assado, fazendo memória da libertação dos Israelitas da escravidão do Egito; assim, no cenáculo, consciente da sua morte iminente, Jesus, verdadeiro Cordeiro pascal, oferece-se a si mesmo pela nossa salvação (cf. 1Cor 5,7).

Pronunciando a bênção sobre o pão e o vinho, Ele antecipa o sacrifício da cruz e manifesta a intenção de perpetuar a sua presença no meio dos discípulos, sob as espécies do pão e do vinho, Ele torna-se presente de modo real com o seu corpo oferecido e com o seu sangue derramado. Durante a Última Ceia, os Apóstolos são constituídos ministros deste Sacramento de salvação. Jesus lava-lhes os pés (cf. Jo 13, 1-25), convidando-os a amarem-se uns aos outros como Ele os amou, dando a vida por eles. Repetindo este gesto na Liturgia, também nós somos chamados a testemunhar com os fatos o amor do nosso Redentor.
Nesta celebração do lava-pés, Jesus aceita e executa o serviço do escravo e pratica as tarefas mais humildes. O ato do lava-pés torna-se para o Evangelista São João a representação daquilo que é toda a vida de Jesus: o levantar-se da mesa, o tirar a vestimenta da glória, o inclinar-se para nós no mistério do perdão e do serviço.

No texto de Jo 13, onde encontramos o relato do lava-pés, Jesus diz: “Quem tomou banho não precisa senão lavar os pés, pois está inteiramente limpo. Vós também estais limpos, mas não todos” (Jo 13,10). Se o homem está lavado, isto é, batizado, está, portanto, limpo; por que e em que sentido precisa de uma lavagem dos pés? Essa lavagem dos pés é necessária depois do banho, depois do batismo? Santo Agostinho responde: No batismo tornamos-nos completamente limpos, também nossos pés, ficaram “limpos”; mas os nossos pés apoiam-se na terra deste mundo, estamos em contato com as realidades humanas e somos, de tal modo, tocados.
É o Senhor que todos os dias nos lava, sobretudo nos momentos em que pronunciamos a oração: “Perdoai as nossas ofensas”, ou seja, quando pronunciamos a oração cotidiana do Pai-nosso. Também hoje Jesus se inclina para nós, pega uma toalha e lava os nossos pés . Somos fracos e com freqüência também nós sujamos os nossos pés... Peçamos ao Senhor que ele venha em nosso auxílio e também nos purifique. Quantas vezes precisamos que o Senhor venha em nosso encontro e nos faça direcionar os nossos passos nos caminhos do bem, no caminho da santidade de vida, do perdão e da fraternidade.
Neste dia, lembramos também a Instituição do Sacramento da Eucaristia. Ao celebrar a Última Ceia com seus apóstolos durante a refeição pascal, Jesus deu o seu sentido definitivo à Páscoa Judaica. Com efeito, a passagem de Jesus a seu Pai, pela sua Morte e sua Ressurreição, a Páscoa nova, é antecipada na ceia e celebrada na Eucaristia que realiza a Páscoa judaica e antecipa a Páscoa final da Igreja na glória do Reino .

O mandamento de Jesus de repetir seus gestos e suas palavras “até que ele volte” não é somente para que se recorde de Jesus e do que ele fez. Visa a celebração litúrgica, pelos apóstolos e seus sucessores, do memorial de Cristo, da sua vida, da sua Morte, da sua Ressurreição e da sua intercessão junto ao Pai. Era, sobretudo, “no primeiro dia da semana”, isto é, no domingo, o dia da Ressurreição de Jesus, que os cristãos se reuniam “para repartir o pão” (at 20,7). Desde aqueles tempos até os nossos dias a celebração da Eucaristia perpetuou-se, de sorte que hoje a encontramos em toda parte na Igreja, com a mesma estrutura fundamental. Ela continua sendo o centro da vida da Igreja.
Por fim, a Quinta-Feira Santa, é encerrada com a adoração eucarística, na recordação da agonia do Senhor no Jardim do Getsémani. Tendo deixado o Cenáculo, Ele retirou-se para rezar, sozinho, diante do Pai.
Naquele momento de comunhão profunda, os Evangelhos narram que Jesus sentiu uma grande angústia, um tal sofrimento que o fez suar sangue (cf. Mt 26, 38). Consciente da sua iminente morte de cruz, Ele sente uma grande angústia e a proximidade da morte. Neste momento Jesus diz aos seus discípulos: “Permanecei aqui e vigiai” (cf. Mt 26,37). Ele faz da sua morte um momento de oração.

No final da liturgia da Quinta-feira santa, a Igreja imita o caminho de Jesus, tirando o Santíssimo do tabernáculo, levando-o a uma capela lateral, que representa a solidão do Getsêmani, a solidão da mortal angústia de Jesus. Os fiéis rezam nesta capela, querem seguir Jesus na hora da sua solidão, para que ela deixe de ser solidão. Este gesto deve constituir para nós obrigação de entrar sempre na sua solidão, de sempre procurá-lo onde ele se encontra... Este caminho litúrgico é também para nós exortação para procurar a solidão da oração.
Neste momento nós com Jesus e Jesus conosco, também em nossas horas da solidão e de escuridão, que ele possa estar conosco na noite deste mundo, e que ele faça surgir, por nosso intermédio, a nova cidade do mundo, o lugar da sua paz, lugar da alegria, o lugar do amor.
Os três apóstolos, Pedro, Tiago, João, dormem (cf. Mt 26, 40). E Jesus continua em oração e diz: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua”. O que é esta minha vontade, o que é esta tua vontade, de que o Senhor fala? A minha vontade é “que não deveria morrer”, que lhe seja poupado este cálice do sofrimento: é a vontade humana, da natureza humana, e Cristo sente, com toda a consciência do seu ser.

O homem em si é tentado a opor-se à vontade de Deus, a ter a intenção de seguir a própria vontade, de se sentir livre, ser autônomo. Ele quer opor-se a vontade de Deus. Eis o drama da humanidade.
Mas Jesus se une a cada um de nós diante desta nossa dificuldade, mas ele também nos dá um exemplo de obediência e une-a à vontade do Pai: “Não seja feita a minha vontade, mas a tua”. Nesta transformação do “não” em “sim”, Ele nos convida a entrar neste seu movimento: sair do nosso “não” e entrar no “sim” de Deus. Disponhamos a aceitar também nós na nossa vida a vontade de Deus, conscientes que na vontade de Deus, mesmo se parece difícil, em contraste com as nossas intenções, encontra-se o nosso verdadeiro bem, o caminho da vida. 

 D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB